O governo de São Paulo vai desenvolver estudos para a fabricação de remédios à base de maconha visando o atendimento a pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde) a partir do ano que vem.
O trabalho será conduzido pela Furp (Fundação para o Remédio Popular), laboratório público estadual, que vai importar o IFA (insumo farmacêutico ativo) para a produção dos medicamentos. O processo licitatório já está em andamento e deve ser concluído até o fim de janeiro.
O ingrediente será utilizado na elaboração de duas novas formulações do óleo de CBD (canabidiol). Após estudos de estabilidade e análise técnica, o laboratório deve solicitar à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorização para distribuir o produto.
A habilitação pelo órgão regulador é a etapa final antes de o medicamento chegar ao SUS. A previsão é que o processo seja concluído em até 36 meses (3 anos).
Na última terça-feira (26), a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) publicou as diretrizes para o fornecimento gratuito de cannabis medicinal em São Paulo. A princípio, o tratamento será restrito a portadores de três doenças que provocam convulsões e de difícil controle: Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gasteaux e esclerose tuberosa.
Com a produção própria pelo laboratório paulista, o governo espera reduzir no futuro os custos da medicação, que inicialmente será adquirida pela Secretaria de Estado da Saúde por meio de licitação aberta ao setor privado.
A Furp também quer se estabelecer como possível fornecedor para outros estados, diante da perspectiva de crescimento da demanda por esse tipo de tratamento –ao menos 13 unidades da federação já aprovaram leis próprias distribuição gratuita de CBD, que aguardam regulamentação.
“A Furp viu isso como uma oportunidade de negócio: fornecer não só para São Paulo, mas também eventualmente para outros estados no futuro, onde houver essa legislação. O nosso desafio é mostrar que a gente pode fornecer medicamento com qualidade e preço competitivo”, explica Fabiano Marques de Paula, superintendente da fundação.
Além do preço, ele ressalta a importância estratégica da produção do medicamento por um laboratório oficial para atender a política pública. “Eu sempre lembro o exemplo recente da pandemia. Se não fosse a Fiocruz e o Butantan, que são dois laboratórios públicos, a gente teria uma situação muito mais difícil para conseguir vacinar a população.”
A dependência do IFA importado, contudo, pode se tornar um gargalo para a assistência farmacêutica no país com a ampliação do acesso ao tratamento, avalia De Paula. “Agora ainda estamos dando os primeiros passos, mas depois que isso pegar uma robustez em outros estados pode virar o caso de repensar essa legislação. O país não pode ficar refém de comprar alguns insumos apenas do exterior, tem que produzir internamente”, disse o superintendente, que considera levar a questão ao Ministério da Saúde.
Gastos com judicialização
Entre as justificativas citadas pelo governo paulista no edital da Furp está a crescente despesa com cannabis medicinal para atendimento de ações na Justiça.
“As despesas oriundas da judicialização elevaram-se de forma quase exponencial de 2019 a 2022, uma vez que todas as ações julgadas davam ganho de causa aos usuários, razão pela qual ampliou-se a busca por tratamentos com uso de canabidiol”, diz trecho do documento. Cerca de 70% dos produtos distribuídos no período eram importados.
Como a Folha mostrou em outubro, o estado de São Paulo teve gasto recorde com a compra de remédios à base de maconha após decisões judiciais em 2023. De janeiro a outubro, R$ 25,6 milhões foram destinados a atender 843 ações movidas por pacientes.
O valor corresponde a quase um terço de tudo o que o estado já gastou com cannabis medicinal desde 2015, quando a Anvisa autorizou pela primeira vez a importação de produtos com CBD para o Brasil. A despesa total se aproxima dos R$ 85 milhões.